1. O Teatro Grego
No século VII a.C. surge a poesia lírica, que traz exatamente aquilo que o épico ignorava, os mortais e seus sentimentos. Um dos primeiros poetas desse gênero foi Arquílocos de Paros.
As poesias eram curtas e apresentadas em conto e dança ao som de uma lira, daí vem seu nome. É do culto à Dionísio que surge o teatro, o deus da embriaguez é filho de Zeus e é o deus mais epifânico, se mostrando das mais diversas formas, sendo ao mesmo tempo o mais doce e mais cruel de todos os deuses, tem a metamorfose como uma de suas maiores características.
Por ter nascido da coxa de Zeus – ou que se diria em um português coloquial, das suas partes baixas – Dionísio é o deus das pulsões, da queda de inibições. O culto à ele é feito na natureza crua, onde os sátiros e as mênades estão em seu estado mais bruto, deixando para trás a personalidade social, se permitindo caçar e se embriagar.
No culto à Dionísio é possível identificar várias das características do teatro, como a mudança de identidade, o drama e as exaltações. Inicialmente, o culto era realizado em meio as florestas e ocorriam sacrifícios reais de pessoas e animais, como uma forma de louvor ao deus e sua história. Com o tempo, o culto se adaptou e o que sobrou de sua forma original foi transposto para um palco, onde era apresentado o ritual, de frente à uma plateia, que apenas assistia essa representação, surgiu assim o teatro ocidental.
2. Dionísio e o Culto Dionisíaco
Dionísio (em grego: Διώνυσος ou Διόνυσος) é o deus olimpiano das festas, dos impulsos, do vinho e do exagero. Ele é filho de Zeus e Sêmele, e foi o único deus olimpiano filho de uma mortal.
Existem algumas versões sobre seu nascimento, aqui levaremos em consideração a mais clássica, que conta que logo após a confirmação da gravidez de Sêmele, Zeus a concedeu o direito de lhe fazer um pedido, e ela, enganada por Hera, pede para ver sua forma divina. Como a forma real de um deus é uma visão insuportável para um humano, e sem poder voltar atrás de uma promessa, ele se revela para Sêmele, e como todos os mortais que vem a forma divina de um deus, e ela morre.
Zeus, sem saber o que fazer, pega o bebê, com apenas seis meses de gestação, e o coloca em sua coxa. Quando Dionísio nasce, Zeus pede a Hermes que leve o bebê ao rei Atamante, e ordena que ele seja criado como menina. Muitos anos depois, Hera descobre que o menino ainda está vivo, e furiosa, usa sua força para enlouquece-lo. Durante um longo período de tempo, Dionísio vaga pela terra, e ao chegar a Frígia, ele se depara com a deusa Cíbele, que reconstitui sua memória e o inicia em seus ritos religiosos. Com a memória reconstituída, ele viaja pela Ásia ensinando a cultura do vinho para todos.
O culto de Dioniso é muito antigo na Grécia, e tem origens asiáticas nas regiões da Lídia e da Frigia, como exposto no prólogo (v. 1-63) das Bacantes. Entre os gregos, Dionísio tornou-se a antítese de Apolo. Apolo é o deus da medida e Dionísio, o da desmedida.
Os ritos religiosos dedicados a Dionísio eram conhecidos como os Mistérios Dionisíacos. Implicavam o uso de vinho para induzir transes que erradicavam as inibições. O culto ocorria na forma de rituais, mas há muito pouca informação concreta sobre a maior parte deles. Sabe-se que os ritos se centravam num tema de morte-renascimento e que a maior parte dos praticantes eram mulheres. Os rituais dionisíacos buscavam a transcendência, a ligação com o divino através da dança, do vinho e talvez outros elementos. A exaustão através da dança permite a magia do abandono do corpo num estado de transe. O esquecimento do corpo e o desligamento da consciência vigil, efeito também produzido pelo vinho e traria a possibilidade do contato com porção divina de cada um.
As mulheres que participavam nestes rituais imitavam a conduta das mênades, bem exemplificada em As Bacantes, de Eurípedes. Durante o seguimento dos rituais, elas executavam danças frenéticas, extáticas, muitas das vezes em volta da imagem de Dioniso. Nestas danças, as mulheres lançavam as suas cabeças para trás, expondo as gargantas, rolando os olhos, e gritando como animais selvagens. Também executavam rituais de sacrifício, durante o qual matavam cabras, cordeiros e gado e devoravam a sua carne crua.
3. As Bacantes
As Bacantes, em grego Bάκχαι, foi a primeira tragédia grega da trilogia de Eurípides, de Salamina, que estreou no Teatro de Dionísio em 405 a.C. A história se baseia na saga de vingança do deus Dionísio sobre sua família mortal, que se recusou em reconhece-lo como deus e perpetuava um grande descredito em relação à sua mãe humana, Sêmele, que era tido como enganadora por dizer que seu filho era também filho de Zeus.
A história se inicia com o retorno de Dionísio – o jovem deus, filho de Zeus – para Tebas. Enfurecido porque sua família mortal, os descendentes de Cadmo, negaram-lhe um lugar de honra como divindade, e por ter sido rejeitado em sua própria casa, Dionísio retorna de sua longa viajem pela Ásia e outras terras longínquas com objetivo de se vingar de sua família mortal.
Após terminar sua viagem, Dioníso reúne um grupo de devotas, as Bacantes ou Mênades, e volta para a terra de sua mãe – Tebas, disfarçado como um forasteiro para ali implantar seu culto. Dioniso induz um delírio nas mulheres da cidade, um frenesi extático, inclusive sua tia Agave e as irmãs, que partem para o monte Cíteron juntamente com as mênades. Lá as devotadas ficam dançando e caçando, para horror de suas famílias. Cadmo e Tirésias, embora não estejam enfeitiçados, como as mulheres tebanas, apaixonam-se pelos rituais báquicos e estão prestes a sair em celebração quando Penteu retorna à cidade e os encontra vestidos em roupas festivas. Após repreender-lhes com veemência, o Rei ordena aos seus soldados, que prenda qualquer um que participe do culto dionisíaco.
Tendo declarado a proibição do culto a Dioniso por toda a cidade de Tebas, os soldados de Penteu saem em busca daqueles que estão praticando o culto como o Rei ordenou, e acabam por prender Dioniso, disfarçado de líder do seu próprio culto. Dionísio, por ser um deus, consegue escapara facilmente da prião, e para vingar-se de Penteu destrói seu palácio com um grande terremoto, seguido de um incêndio. Quando Penteu ouve de um pastor sobre o que está acontecendo no monte Citéron, ele se interessa imediatamente por ver a situação das mulheres em transe, Dioniso, então, o convence a se vestir como uma mênade, para que possa evitar ser identificado e assim observar os rituais.
Ao chegar próximo ao monte Penteu se lança sobre as árvores mais altas para observar o culto, e Dionísio o entrega, mostrando às bacantes onde ele está, o rei é morto e desmembrado pelas mulheres em êxtase, e sua cabeça é levada para Tebas por Agave, que acredita ter matado um filhote de leão. Cadmo, ao receber a filha com tamanho desgosto, faz a mesma perceber o que causou a sua própria família, e esta é exilada junto à suas irmãs.
Como um último suspiro de vingança, Dionísio transforma Cadmo e sua esposa, Harmonia, em serpentes.
4. As Bacantes como ilustração do fenômeno Dionisíaco
O termo Bacantes significa “mulheres adoradoras do deus Bákkhos”, e a tragédia traz o mito de introdução do culto ao deus Dioniso na cidade de Tebas. A obra, escrita por Eurípides, contém diversas alusões mítico-rituais à religião dionisíaca, fazendo uma apresentação da natureza do culto dionisíaco que se contrapõe diretamente à ordem social e aos valores morais defendidos pelo rei Penteu.
Através da leitura da tragédia, observa-se o desenvolvimento culto e o comportamento adotado pelas bacantes que estão possessas pelo deus Dionísio e refletem sua divindade e poder, já que naquele momento de libertação elas são como a manifestação divina do próprio Bákkhos.
De acordo com Kerényi (2000, p. 201), quando cultuavam a Dioniso, as mulheres adoradoras ficavam sozinhas. Nenhum homem podia estar presente enquanto elas representavam os papéis das deusas (ninfas que cuidaram do infante Dioniso) associadas ao deus. Quem as observasse de longe as via nas formas discerníveis do frenesi, ou seja, da manía delirante imposta pelo deus. Por isso, as mulheres que rodeavam Dioniso eram chamadas de mênades (termo que deriva do radical do verbo grego maínomai), que significa “furiosas, frenéticas, mulheres loucas.
Segundo Versényi (1962), enquanto os deuses tradicionais do panteão olímpico mantêm as distinções que os separam dos homens e insistem na distância entre o divino e o mortal, Dioniso é o único deus que faz o oposto. O deus delirante abole com os obstáculos que o separam do humano, ele rompe com todas essas distâncias em seu culto. A união com o deus nos ritos extáticos, provocada pela “loucura”, é o presente de Dioniso para o homem, e é aquilo que o eleva acima do mundo humano. Todavia, nessa peça, o delírio não sobrevém às mulheres tebanas como ingrediente natural do culto, mas como castigo em razão de terem rejeitado o deus: “Deve a cidade aprender, ainda que não queira, /nos báquicos mistérios não sendo iniciada,/ que a Sêmele, minha mãe, defendo, e eu/ aos mortais surjo como deus, por ela de Zeus concebido”, diz Dionísio já em sua primeira fala.
A tragédia ilustra de forma exímia a ambiguidade da condição existencial humana – representada na cultura grega pelo deus Dionísio, representando o indivíduo que se sente separado da natureza que o rodeia e, ao mesmo tempo, anseia por nela reintegrar-se e retornar como parte de uma totalidade que o explica e supera. A entrega do indivíduo ao delírio, ao culto de Dionísio, é uma forma de alcançar uma libertação pessoal, ainda que temporária, vivenciando assim o outro, o diferente, e até então desconhecido.
5.Conclusões Finais
Durante a análise, torna-se evidente a influência da religião dionisíaca e seus cultos na construção da tragédia das Bacantes. Eurípides utiliza os mitos dionisíacos, desde o nascimento do deus e sua jornada, para justificar e explicar os elementos da tradição ritual dionisíaca. Elementos tais que se constituem na indução do transe das mulheres tebanas, que são convertidas em bacantes, e no desenrolar da morte do rei Penteu, que é guiado para estágios rituais que devem ser cumpridos antes de se consagrar a vítima ao sacrifício dionisíaco.
A loucura dionisíaca, manifestada através da possessão báquica, pode definir a benção e o castigo de Dioniso para seus adoradores, trazendo ainda essa dualidade que o deus representa.
6.Referência Bibliográficas
HENRICHS, Albert. Greek Maenadism from Olympias to Messalina, Harvard Studies in Classical Philology, 1978.
KERÉNYI, K. Os deuses gregos. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Editora Cultrix, 2000, p. 193-203.
LESKY, A. A Tragédia Grega. Tradução de J. Guinsburg; Geraldo Gerson de Souza; Alberto Guzik. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996, p. 21-280.
VIEIRA, Trajano. As Bacantes de Eurípides, São Paulo, Perspectiva, 2003.
VERSÉNYI, L. Dionysus and Tragedy. The Review of Metaphysics, vol. 16, n. 1, p. 82-97, 1962.
Comments