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Como toda criança, ou melhor, como toda criança com pais ocupados o suficiente para se preocuparem com seu desenvolvimento como pessoa, mas sem tempo suficiente a ser dedicado para esse projeto, passei grande parte na minha infância sob esse contínuo estimulo do meu suposto ‘lado artístico’. Nessa hora aptidões não dirigem nosso interesse, nem há um interesse por si só formado, mas havia apenas um grande desejo de me fazer aprender a explorar e obviamente criar algum afeto pela produção artística por si só.
Entre dança, desenho, leitura e todas outras atividades extracurriculares em que se pode envolver uma criança eu me encontrava parcialmente satisfeita, em primeiro lugar porque ali me parecia ter um pequeno senso de liberdade, ou falta de um controle explicito, e em segundo porque me fazia sentir criativa, apesar de na verdade estar apenas sendo um instrumento de uma criação alheia, mas como criança não era possível sentar e analisar cada parte de acontecimentos que eu não compreendia.
Crescer me fez encarar o fato de que a arte prometia uma certa liberdade, mas nem sempre possibilitava, pois livre é aquele artista que consegue alcançar sua criação almejada, caso isso não ocorra você se torna duas coisas: a primeira seria refém e a segunda seria frustrado.
Eu me encaixei bem nas duas categorias, ao passo que quando os anos passavam as minhas aptidões ou habilidades pareciam se reter na passagem da minha ideia para o mundo exterior, veja bem que ainda hoje eu lido com isso de forma brutal, minha mente desenha uma escrita nada linear, mas meu cérebro converte a uma construção quase que acadêmica, o que me mata hoje é não saber fazer poesia.
Pois bem, voltando às habilidades, na constante ‘tentar e não conseguir’ eu me encasulei, não por uma repressão do meio, que constantemente me incentivava – aqui meus pais fizeram sempre aquele belo papel de ‘você consegue’ mais até do que deveriam, mas uma leitura própria que me fez perceber que talvez ali não havia uma ‘eloquência’ necessária para transmitir qualquer mensagem que fosse. Veja bem, eu não era nem uma abstracionista enquanto artista, acredito que isso é um feito para mentes ainda mais elevadas, mas não falaremos em classificações pessoais aqui.
Voltando à minha inabilidade de criar movimento, um pincel com tinta ou meu próprio corpo tornaram-se barreiras ao tentar trazer para o externo o que vinha se entrando em conflito dentro da minha cabeça, eu parecia sempre estar em ponto de vazão, como qual um copo cada vez mais cheio prestes a molhar todo ambiente que se encontra mas ao cair a primeira gota ela simplesmente se vaporiza, transformando totalmente seu estado físico e arranjo molecular. Ponto crítico é o estado a partir do qual não há mais distinção entre líquido e vapor, e é aí que a materialização das minhas ideias se encontrava. Isso retrata com uma medonha exatidão o que vem a ser meu processo criativo, tentativas cautelosas são necessárias para prevenir essa transformação e se ela ocorre, fazer com que meu pensamento se condense novamente é quase uma ato de tortura, as partículas se perdem no ar.
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Sem mais delongas, eu sempre quis ser artista, mas a arte tem dessas coisas, ou ela te abraça ou ela te afasta, não no sentido de ser necessário ter um dom para produzir, mas de se identificar de uma forma ou outra com aquilo que você produz, veja que nada tem relação com o conceito de belo, pelo contrário, prazer estético não vem ao caso ao considerar a obra por si só, afastando-se da análise e pensando apenas na construção, aquilo nasce de uma necessidade única do artista.
Eu constantemente cultivava minhas necessidades e as via perecer, morrer ali no meu plano de ideias já que na fisicalidade do meu ser eu não conseguia achar um viés de tradução para tudo aquilo que habitava minha mente. Quantas não foram as vezes que escrevi sobre como queria que minhas obras fossem, descrevê-las parecia um ato bem próximo ao de torna-las viáveis, talvez por deixa-las ali, no mundo real mesmo que não materializadas ou talvez por saber que aquela ideia não poderia ser falha enquanto pensamento. Eu tenho uma coleção de obras descritas.
Na minha exposição imaginária de obras que eu gostaria de ter feito eu não me encontro decepcionada com o fazer, apenas com o não fazer e isso facilmente pode ser justificável pela inércia, não é a mesma sensação de fracasso que se encontra em tentativas e erro.
Retomando aquela velha história de aulas de artes durante a infância, eu me permiti fazer uma série de tentativas antes de decidir que nada mais me agradava, ou que eu era (e ainda sou) critica demais, como minha mãe insistia em dizer. Esse constante afastamento técnico me fazia frustrada, mas não me distanciava da ideia que era poder entender o que acontecia ali, e foi assim que me coloquei nessa posição.
Entender não é seguido de criticar e criticar não carrega por si só a negatividade embutida na palavra, essa construção é uma cortesia social. Entender não vem também de analisar, já que análise precede um pensamento carregado de julgamento, o entendimento por si só vem alimentar a fonte de conhecimento, e permite uma série de conversas antes não imaginadas.
Sem poder então movimentar de forma sutil a realidade física ao favor das minhas ideias me resta absorver as ideias que posso retirar dessa existência e com as outras quais me relaciono.
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