O novo clipe de Beyoncé e Jay-Z chamou atenção ao ser lançado nesse último dia 16 por ter como palco o Museu do Louvre, em Paris.
Uma das instituições mais reconhecidas e que contém uma das mais importantes coleções na história da arte foi indispensável para que a mensagem proposta pela música fosse devidamente contextualizada e alcançasse seu propósito: they made it.
Duas abordagens serão feitas aqui para destrincharmos a significância dessa música e da escolha da sua locação, elas serão feitas simultaneamente para servir à didática do entendimento, mas há uma análise de contraposição histórica e estética, de forma que uma complementa a outra, mas é necessário entender como uma se faz para que a outra faça sentido.
Dessa forma, sugiro que você comece assistindo o vídeo e refletindo sobre o peso dessa produção para o desenvolvimento do pensamento e reflexão sobre a formação da cultura ocidental contemporânea:
O primeiro ponto de observação é a questão da inserção d os corpos negros centralizados em um espaço que caracteriza predominantemente a arte de sujeitos brancos, feita por artistas brancos, destinados a platéias brancas: a decisão é radical por si só.
Sintomático da tradição artística ocidental, o Louvre não contém obras de arte de pessoas de cor, pois foram completamente excluídas do mundo da arte até o século XX.Outro importante ponto é que embora as mulheres sejam muitas vezes os temas da arte em exibição, poucas pinturas de artistas do sexo feminino estão incluídas na coleção do museu, resultado do mundo da arte historicamente excludente que considerava a masculinidade como uma função essencial da habilidade artística.
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Começando a pensar esse clipe pela primeira imagem mostrada, com a Mona Lisa (pintada por Leonardo da Vinci no período renascentista no ano de 1503) como background Beyonce e Jay-Z, os artistas se colocam em paralelo com uma das pinturas mais famosas do mundo, das quais o público sempre quer uma foto com. Ao serem colocados lado a lado com ela, chama-se atenção à qualidade de celebridade que os cantores carregam, se comparando visualmente à pintura. Aqui eles redefiniram a “arte”, criando a arte, tornando-se a arte.
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A icônica pintura de Madame Récamier por Jacques-Louis David, mostra a socialite de Paris, Juliette Récamier, no auge da moda neoclássica, (reclinada sobre um sofá estilo Diretório em um vestido de linha Império, com braços quase nus, e cabelo curto “à la Titus”, tudo isso sendo muito avant-garde para a época). À seus pés, os artistas não perdem a oportunidade de provocar o que estaria por trás daquela pintura que parece tão simplória em sua existência, colocando duas negras desnudas com os cabelos totalmente cobertos, trazendo o contraste vivido pela senhora pintada e as senhoras que naquela época poderiam pertencer apenas aos bastidores.
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Embora as estátuas da antiguidade como a “Vitória Alada de Samotrácia” (escultura de mármore helenística que tem seu artista desconhecido e é comumente datada do século II aC, foi esculpida para homenagear a Nike, a deusa grega da vitória) e a famosa “Vênus de Milo” (datada por em torno de 100 AC, também sem autor, feita para a deusa grega do amor, Afrodite, que na cultura romana ficara conhecida como Vênus) sejam hoje em um marcante mármore branco, é preciso lembrar que elas foram coloridas uma vez, o que nos traz a lembrança da necessidade da negação de que o branco é um padrão de beleza.
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Quando Beyoncé e JAY-Z se colocam na frente da “Vênus de Milo”, a indumentária escolhida é uma espécie de corpete, que expõe suas formas e assumindo ideais de beleza impostos pela cultura whitewasher com sua pele morena e reenquadrando a deusa da beleza e a deusa da vitória como uma mulher negra.
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“A coroação de Napoleão” (obra completada pelo pintor oficial de Napoleão, Jacques-Louis David, em 1807) tem um significado especial por causa das ondas do imperialismo e do colonialismo que seu reinado introduziu no mundo inteiro, com conquista de terristórios no Egito, Síria, entre outros…). Beyoncé, vestida com a clássica plaid da marca Burberry, está usando sua própria versão atualizada do que seriam os tecidos usados pelos reais, que automaticamente os colocam em um alto status no contexto social. “I’ve got expensive fabrics” é uma referência direta às roupas caras usadas por Josephine e Napoleão por razões políticas. Duas outras pinturas de David também podem ser vistas em breves momentos fugazes no vídeo – “Oath of the Horatii” (1784) e “The Intervention of the Sabine Women” (1799).
Ao filmar “Apesh*t” em um espaço historicamente branco, Beyoncé e JAY-Z dão rostos para os indivíduos sem nome que se perderam para nós em uma história que priorizou narrativas brancas, um ato que em si reforça a quebra de paradigmas. Eles trazem o público geral para o Museu do Louvre, tornando-o acessível para aqueles que foram excluídos de suas galerias, ajudando no questionamento ee redefinição do que reconhecemos como arte no processo.
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