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O mundo das artes precisa ser mais inclusivo?

Foto do escritor: Ana Luiza de LimaAna Luiza de Lima

Atualizado: 26 de abr. de 2020

Como todo relato histórico várias vozes são capazes de compor uma timeline, no campo da arte não é diferente, mas a muito tempo poucas vozes são levadas em conta para construir essa narrativa.


Os campos de estudo histórico têm então em sua maioria matérias compostas por relatos parciais, controversos e que levam à debates, por isso é nosso dever constantemente questionar as construções que vêm sendo feitas, já que são histórias que trazem definições de onde viemos e nos permitem refletir para onde vamos.


Jáem 1940, Panofski propôs um artigo influente no qual sugeria trabalhar a História da Arte como uma disciplina mais humanitária, intitulado como The History of Art as a Humanistic Discipline, no qual ele expõe a necessidade de entender o passado com uma abrangência maior pelo simples fato de que nos interessamos pela realidade, e se não abrirmos nosso escopo de compreensão sobre o que foi teremos entendimentos errôneos sobre o que é.


Why, he asked, “should we be interested in the past?” “Because we are interested in reality.”

Naturalmente, sendo a História da Arte um dos assuntos mais interdisciplinares, temos uma série de lentes a partir das quais podemos analisar nosso mundo hoje, como Panofski coloca apenas uma obra de arte tem o poder de nos mostrar muito sobre uma nação, mas é preciso que tenhamos em vista que esse retrato pintado parte de uma pessoa com determinado ponto de vista, e para evoluirmos como sociedade precisamos entender que a história é um elemento vivo e em construção, e por isso torna-se mais do que necessário abraçar novos olhares, tanto contemporâneos quanto historicamente deixados de lado.


Pensando nessa diversificação e inclusão de novas vozes no relato da História da Arte, o Artsy soltou um artigo que propõe três mudanças necessárias para redefinirmos níveis de igualdade e equivalência nos relatos histórico-artísticos.


O primeiro ponto seria obviamente mudar os sujeitos que contam as histórias, como bem se diz o ditado, a história é sempre contada por aqueles que venceram, ou seja, é necessário retirar as narrativas de quem convencionalmente tem o poder de fala, ao fazermos isso é possível gerar novos pontos de vista e abranger panoramas antes não vistos. O papel do historiador é justamente compreender que a construção do nosso entendimento deve ser multifatorial e contemplar inúmeras formas de manifestação sobre o mesmo dito <fato>.


Um exemplo palpável sobre essa falta de voz se encontra nas formas de exclusão que encontramos entre aqueles que representam a voz da história da arte na atualidade, nas escolas, museus, galerias e no mercado. Uma pesquisa recente pela Data USA revelou que das pessoas que trabalham com história da arte, crítica e conservação, seja num nível de graduação ou ainda não-graduado, 70% são declarados brancos, sendo 11% de descendência hispânica, 5,5% asiáticos e 3,1% negros.


Embora o movimento para igualdade de gênero já tenha despontado e mostrado que vêm evoluindo consistentemente nos últimos 4 anos, como mostra o estudo realizado por Andrew W. Mellon Foundation, com as mulheres ocupando cerca de 60% dos cargos relacionados à curadoria, educação, conservação e direção de instituições culturais (nos Estados Unidos), “não há tal linha de ação em direção a liderança entre funcionários de minorias historicamente sub-representadas.”


As vozes de pessoas provenientes de backgrounds diferentes são pivotais para as redefinição de entendimentos baseado em omissões, olha novamente através de novos olhos é necessário para redescobrir outras linhas de pensamento, como fez a historiadora Denise Murell ao estudar “as musas negras da história da arte”, trazendo à tona uma série de trabalhos que resultou na exposição “Posing Modernity: The Black Model from Manet and Matisse to Today” hoje em exibição na Columbia University’s Wallach Art Gallery. Esses novos olhares são imprescindíveis para preencher buracos na nossa atual história, além de proporcionarem discussões sobre esses vieses latentes na esfera cultural.


Sendo um campo de interdisciplinaridade, a arte é contextualizada pela política, filosofia, economia, literatura, religião, entre outros, os estudos sobre a história da arte precisam ser mais compreensivos, no sentido de expandir os pontos de partida e não trabalhar apenas a partir de obras de arte, como ainda muito se faz nas instituições de ensino e nos museus.

A descolonização do mundo da arte parte então de um olhar que se afasta inicialmente da produção artística para um contexto histórico mais abrangente, que olha a arte como resultado do cruzamento de uma série de culturas, reposicionando o “centro” das narrativas históricas.


Um exemplo do que está sendo debatido aqui foi o que ocorreu ano passado quando Charles e Valerie Diker doaram sua coleção de Arte Nativa Americana para o MET (The Metropolitan Museum of Art) e exigiram que esta não fosse ‘condenada’ à uma seção especial mas sim colocada lado a lado com aquilo que é denomidado Arte Americana, o diretor do MET, Max Hollein ainda colocou que



A insurgência dessas novas leitras revelou uma série de novas linhas de pesquisa, o que vêm para reforçar o papel das instituições culturais no engajamento político e no seu então papel de representação cultural, três exemplos atuais dessa mudança foram as tão comentadas exposições “Mulheres Radicais” da Pinacoteca, “Histórias Afro atlânticas” pelo MASP e Instituto Tomie Ohtake, e “Queer Museu” que após ser cancelada pelo Santander foi realizada pelo maior financiamentos coletivo do Brasil: acredito que isso revele cada vez mais a necessidade das pessoas de estarem em contato com novos olhares, se tornando mais plurais e entendendo a realidade através de outros vieses.


Uma última barreira a ser derrubada pelo mundo da arte seria as definições de arte, em inglês high e low art são termos que regularmente se referem nessa ordem à produções de vanguardas e kitsch, que seriam as artes populares. Essa divisão traz uma visão de qualificação das obras, o que faz com que se questione mesmo que subconscientemente a validade dos trabalhos, o que não pode acontecer se estamos caminhando para um olhar mais heterogêneo.


No livro Aesthetics of the Margins / The Margins of Aesthetics: Wild Art Explained, os autores David Carrier e Joachim Pissarro traçam historicamente a institucionalização do gosto e consequentemente essa divisão que se deu entre uma arte ‘séria’ e o que eles chamam de arte ‘radical’, que engloba desde a street art à tatuagens, e existe numa multiplicidade de formas e plataformas que operam foram do sistema tradicional das artes.


É necessário entender que essa hierarquização das tipologias artísticas foi o que causou a exclusão majoritária de artistas em primeiro lugar, já que o modo de produção de pintura à óleo não era democrático e muito menos acessível em todo o mundo. As diferenças entre as tipologias existentes de produção artística são arbitrárias e a desconstrução dessa barreira é algo ainda a ser analisado. Carrier ressalta uma visão interessante dessa divisão do mundo das artes quando ele fala:


“When you go to MoMA or the Met you see all of these people right outside the doors of the museums selling street art, paintings, and so forth. They’re so close, yet so far; they’re never going to be admitted into the art world.”


Aos poucos as instituições vêm se abrindo para compreender exposições cada vez mais diversas, mas é importante também ver o viés econômico dessa nova flexibilidade. De qualquer forma, é crucial que essa expansão ocorra para que as pessoas passem a reavaliar suas visões, mas ainda mais importante é que não apenas museus e galerias façam isso, mas que os cursos que formam profissionais do meio passem a trazem essas formas de arte com mais seriedade, desviando do olhar puramente eurocêntrico e hoje dito tradicional. Como bem colococa Carrier:


“opened our eyes to see lots of things that maybe we wouldn’t have looked at otherwise. That’s what we’re advocating. Open your eyes. There’s a lot to look"


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