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Uma das minhas motivações para me afastar permanentemente do curso de medicina, o qual frequentei por dois sólidos anos, foi a falta de empatia com o humano. O ser me interessava ainda que num nível de funcionamento, quase que mecânico, mas a empatia é uma rua sob a qual eu não transito, não ao menos naturalmente, com aquele sorriso aconchegante que várias pessoas têm mesmo antes das oito da manhã, muito menos com a vontade de entender para ajudar. Não digo aqui que sou uma má pessoa, não tem a ver com índole de ações, o que me refiro é aquela velha condição humana de entender, ou ao menos procurar entender, de dar o ombro, de fazer-ser próximo.
No lugar que me encontro em relação às outras pessoas tenho uma dificuldade imensa de movimentação, vejo aqui quase que um paralelo à relação que desenvolvi com a produção artística, o relacionamento humano seria a obra final, da qual eu por vezes me distancio na falta de habilidades técnicas para cultivá-lo.
I am basically analytical, not creative; my writing is simply a creative way of handling analysis. – Philip K. Dick
A ideia que mais me recorre durante essa análise é de que as pessoas olham essa falta de habilidade como uma certa resistência, e eu afirmo que o afastamento calca essa resistência visto que só fomenta o que talvez seja um problema que pudesse ser resolvido, no tocante de que talvez se eu me aventurasse constantemente com o pincel em determinado momento a técnica não seria mais meu desafio e sim minha aliada, mas a partir do primeiro passo que dei em direção oposta à tela houve um consequente endurecimento da possibilidade evolutiva, afinal não se alcança o sucesso de longe.
Esse olhar preciso, quase que cirúrgico me permitiu perceber que para mim era mais fácil desmontar as coisas para compreende-las do que apenas lidar com o que elas são. Ser num nível humano é de uma complexidade não muito compreensível, mas ser também é um reflexo construtivo de várias coisas vividas, as construções feitas em tela não são lá menos profundas que as construções que fazemos diariamente sobre nós, esse amontoado de consequências que somos é devidamente enraizado em cada acontecimento que nos permitiu existir no presente momento bem como nos não-acontecimentos, já que as negativas também têm grande poder de formação sobre o eu.
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artwork by Shota Maehara
O afastamento psicológico e esse particular interesse pelo desmembramento é o que me trouxe ao interesse do estudo de arte, a arte, como o corpo tem constituintes mais subjetivos do que o próprio artista, temos ali uma construção estética que reflete não apenas contextos históricos ou pessoais, a análise nos permite a ir além e não nos prender nas narrativas pré-moldadas, fica a cargo do observador até a possibilidade de construir uma história para qual aquela peça não foi criada, o olhar diz mais sobre quem olha do que sobre o objeto, é mais uma vez um reflexo de construções.
Nada na essência da existência existe em um movimento de superação de outras ocorrências, tudo que existe em determinado ponto é combustível para o motor das existências subsequentes, o que é preciso é atentar-se para essas construções subsequentes. O físico também não existe sem o subjetivo no caso do humano, muito menos no caso da arte, as tramas que conversam são fruto de confluências e influências que fogem aos olhos, o que faça necessário abrir aquele corpo.
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