O livro “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” publicado por Benjamin em 1955, foca na possibilidade da reprodução técnica de qualquer imagem e o aceleramento desse processo provocado pelo desenvolvimento da fotografia e do cinema, alterando consequentemente o entendimento do público sobre a arte.
É importante salientar aqui que existe uma diferença grande entre falar da imagem de uma obra (do objeto fotografado) em condição de documento, e da fotografia em si como uma obra de arte, já que esta apresenta uma função estética.
Em seu ensaio, Walter Benjamin trata do questionamento da unicidade de uma produção artística, como falamos anteriormente no texto ‘Reprodução’, Benjamim coloca em questão os meios de produção em massa, que transforma a concepção, recepção e entendimento da obra de arte.
De acordo com Benjamin, para distinguirmos e entendermos a natureza de uma obra é preciso saber diferenciá-la para que não passemos a entende-la apenas como uma mediação ilustrativa, sendo assim, o autor diferencia o que entende por ‘valor cultural’, que está diretamente ligado à tradição, e ‘valor expositivo’ ou ‘valor museal’ (Henrich, 2004), que seria um conceito de obra que não possui valores profundos, não se conecta à tradição.
Caso ela não possua o determinado valor cultural, a obra está automaticamente sem sua autenticidade, ela perde sua aura.
Ainda de acordo com o autor, esse processo de tornar-se uma imagem facilmente substituível por sua representação é o que se denomina processo de secularização, que é relativo ao abandono gradual das tradições, que segundo Strinati (1999) se acelera devido à possibilidade da reprodução.
Historicamente é possível traçar uma linha que nos permita entender como esse processo do abandono da tradição acontece, com o surgimento da fotografia no século XIX, que fez com que os pintores precisassem repensar seu ofício que na época era baseado na reprodução realista das situações. Com a necessidade de se diferenciar da capacidade da fotografia os movimentos modernos começaram a surgir, escolas como Impressionismo e as vanguardas começaram a se desenvolver.
Com essa mudança, houve uma mudança na abrangência do público da arte, já que agora os trabalhos não eram mais apenas relativos às representações da nobreza há uma massificação, e de acordo com Benjamim conceitos tradicionais não fazem mais parte do novo modo de produção artística.
Os modos de reprodução sempre existiram, a xilogravura, a chapa de cobre, a litografia, sempre permitiram a reprodução. A diferença entre a reprodução técnica e a manual é a autonomia, já que na fotografia, por exemplo, é possível aproximar os indivíduos da arte através do acesso remoto, bem como do acesso à memória – que ocorre no caso de obras efêmeras – outro ponto é a possibilidade de mudar e salientar detalhes que não seriam visíveis ao olho nu, o que pode gerar transformações na compreensão da proposta.
As tecnologias da informação possibilitaram todo um novo universo em se tratando da produção, reprodução e acesso de produtos culturais, além de agregar a estes produtos uma gama de informações que antes não eram apresentadas. O espaço virtual permite que camadas de informação adicional sejam acrescidas à obra, Almeida (2009), o que faz com que o nível de complexidade de expanda, trazendo novas nuances que permitirão entendimentos variados.
Tendo visto que a fotografia transformou toda nossa relação com a arte, é preciso de distanciar do questionamento relativo à técnica e focar na transformação do conceito de arte provocada, para assim entender como as instituições trabalham em relação às possibilidades de representação, antes fotográfica, e agora também digital.
Passando assim para compreender o panorama dos museus e como a atitude desses altera e influencia na leitura da arte como um todo, é preciso um pouco de contextualização. A instituição museu surgiu juntamente com a história da arte, quando Giorgio Vassari escrevia Vidas dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos (1550-1568) ele estabelecia um novo entendimento quanto a categorização e catalogação da produção artística. Toda a ideia do museu se desenvolveu durante o período do Renascimento, que trazia com o iluminismo a importância do reconhecimento do conhecimento e do saber.
Paralelamente ao movimento iluminista, alguns outros acontecimentos colaboravam para o surgimento dos museus, o distanciamento da igreja e o desenvolvimento da democracia por exemplo. Ao passo que a arte saia dos ambientes privados, como coleções, e também religiosos, como igrejas e templos, abrindo espaço para o museu, um ambiente público, de acesso popular, o público passava a ser instruído a frequentar as instituições.
O surgimento dos museus trouxe uma nova configuração para o ARTWORLD, que se tornou uma rede complexa de agentes que confere significado social à obra de arte” (Costa, 2008: 132), tornando-se um agente propositor de diálogo que conecta as partes, de artistas à audiência. Dentro desse espaço de mediação a arte começou a passar por processos de transformações, deixando de ser constituída apenas por componentes tradicionais, trazendo novos elementos como materiais perecíveis, por exemplo.
As transformações que afetam a produção da arte trouxeram consequências para os museus, que começaram a sofrer pela indefinição classificatória dos objetos (Freire, 1999). Com essas mudanças alguns paradigmas começaram a ser quebrados, os museus inicialmente tinham a perenidade como princípio para a seleção de seus trabalhos, com os diferentes caminhos que a produção artística tomou a partir do meio do século XX os museus passaram a ser constantemente desafiados a compreender obras em novos formatos, essas foram consideradas como arte contemporânea.
No ramo contemporâneo, se passa a considerar mais a ideia do que a materialidade da obra, ao passo que constituem uma crítica às instituições ao desmaterializar propositalmente as obras.
Os museus saíram então de um lugar de adoração para o de questionamento, mantendo vivo o debate através das obras conceituais, que vêm para causar um determinado desconforto intelectual e trazer mais questionamentos e reflexões do que soluções.
Aqui retomamos a fotografia, mencionada acima e sua importância no processo documental para a eternização desses processos pelo próprio museu de arte contemporânea, as fotografias passam a ser parte constituinte da obra, se transformando em certas vezes até na obra final.
Quando há esse processo de desmaterialização ou desterritorialização da obra, como ocorre em muitos casos em se tratando de arte contemporânea, é muito fácil lembrar do processo de virtualização, para Lévy (1996) o virtual não se opõe ao real, o conceito de virtual se contrapõe ao conceito do atual. A palavra que vem do latim, virtualis, que por sua vez é derivado de virtus, que significa força, ou potência; na filosofia, é virtual o que existe em potência e não em ato. Dessa forma as representações fotográficas das obras compreendem a potencialidade de suas propostas.
O aspecto da virtualidade se propagou ao tratarmos tudo aquilo que existe na dimensão da internet como tal. Os museus, bem como todas as outras organizações, passaram a ter suas páginas representantes na world wide web, mas estar presente nessa esfera significaria ser um museu efetivamente virtual? Como a aplicabilidade desse conceito poderia se encaixar na prática?
Karp (2004), coloca que o papel dos museus é assegurar o registro das coisas que podem ser asseguradas no tempo e espaço, sendo elas registro das próprias obras ou as mesmas. A questão da virtualidade então rende um debate interessante, para Andrews e Schweibenz (1998) o museu virtual é aquele que não encontra um referencial físico, existe apenas na esfera da internet. Já para Loureiro (2004), o museu virtual se estabelece como aquele de apesar de possuir um representante físico também está presente na esfera virtual, na qual pode ser visitado e experienciado.
Para facilitar o entendimento do debate em questão, escolhemos seguir com o entendimento de Lima (2009) sobre o que seria virtual e levar em consideração tanto objetos criados a partir do computador bem como objetos digitalizados.
Dessa forma, os museus que possuem uma ‘cópia’ de si mesmos cyberespaço podem ser considerados como virtuais.
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É preciso aqui diferenciar a exposição como museu e a apresentação do acervo como catálogo, são formatos totalmente diferentes que implicariam na classificação adotada.
O que diria Walter Benjamin diante da possibilidade dos tours virtuais às instituições que temos acesso hoje?
BENJAMIN, Walter (2017), “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, L&PM Pocket.
FREIRE, Cristina (1999), Poéticas do Processo: Arte conceitual no museu. São Paulo: Iluminuras.
HEINICH, Nathalie (2004), A Sociologia da Arte. Bauru: Edusc
KARP, Cary (2004), “The legitimacy of the virtual museum”. ICOM NEWS, v. 57, n. 3, p. 5. [Online] disponível em: < http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2004-3/ENG/p8_2004-3.pdf >.
LÉVY, Pierre (1996), O que é Virtual? São Paulo: Editora 34
STRINATI, Dominic (1999), Cultura Popular: Uma introdução. São Paulo: Hedra.
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