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Na metade do século XIX, ou 2ª fase de Revolução Industrial, as linhas de pensamento que figuravam eram essencialmente: o positivismo (cientificismo), o determinismo (em se tratando da análise do comportamento humano, no qual acreditava-se que este era pré-determinado por uma combinação de raça-ambiente-momento) e o evolucionismo (já que em 1859 havia sido publicado ‘A Origem das Espécies’ de Darwin).
A necessidade de superar a dura realidade enfrentada provocada pelas mudanças estruturais sociais é o que possibilita o surgimento do Romantismo, a partir dessa retratação quase que maquiada daquilo que realmente estava acontecendo surgiu a necessidade de representar o trabalhador e o trabalho como pessoas reais e não na posição de um herói idealizado que o Romantismo criara, dessa forma surgem os artistas denominados Realistas.
Nesse contexto de transformação e mudança a fotografia se estabelece e passa a ocupar o lugar dos artistas em determinadas atividades. Enfrentar essa nova realidade significa olhar, ver e entender como a representação desta deve ser feita, agora diferentemente dos períodos anteriores, não possui um código para representação. Enfrentar a realidade significa encontrar uma maneira de retrata-la.
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Ao iniciar essa análise pelas paisagens de Daubigny é possível compreender que saímos de um período em que se valoriza a subjetividade e entramos em uma era em que se pinta aquilo que o olho vê, tratando-se aqui do ato de ver num viés físico, com suas deficiências e incapacidades. A pintura então sai do lugar de representação daquilo que se sabe que está lá para uma representação daquilo que é visto pelo pintor ao considerar o filtro de sua retina como um crivo que não permite mais que tudo seja perfeitamente representado, pois sabe-se que aquilo existe de determinada forma, mas sim como é percebido de onde se põe o observador-pintor.
Como os Realistas sentiam a necessidade de se retratar as coisas como elas eram vistas, deu-se então início ao movimento de pintura ao ar livre, visto que era necessário a inserção do artista no momento exato retratado, isso mais tarde levará ao desenvolvimento de uma nova vanguarda, o Impressionismo, que retrata as coisas não como elas são ou como são vistas, mas como são entendidas pelo artista.

Um dos artistas mais célebres do Realismo é Daumier (1808-1879) que começou sua carreira como ilustrador, trabalhando como o que hoje chamaríamos de chargista, trazendo retratações dos movimentos cotidianos e muitas vezes satirizando os movimentos Neoclássico/Romântico. Aqui é possível reconhecer como em suas produções há uma simplicidade maior e os temas retratados não são sempre considerados ‘louváveis’ como ocorria anteriormente.
Para uma compreensão mais contextualizada da situação vivida pela França nesta época é interessante ler ‘Germinal’, livro do escritor Emile Zola, de 1885, que traz uma história que se passa no norte da França durante uma greve provocada pela redução dos salários. Além dos aspectos técnicos das extrações minerais e as condições de vida nos agrupamentos dos mineiros, Zola também descreve o princípio da organização política e sindical da classe operária, tais como as divisões já existentes entre marxistas e anarquistas. Vale lembrar que existe uma adaptação filmográfica homônima deste, produzida em 1993, por Claude Berri.
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Vagão de 3ª classe, Daumier.
Um terceiro artista que merece ter sua produção em destaque aqui é Gustave Courbet (1819 – 1877), que como os outros artistas da época possuía um domínio técnico exemplar mas em contrapartida escolhia por retratar assuntos do cotidiano, suas produções causaram bastante polêmica na época já que além de tratar de assuntos relativos à classes colocadas como ‘inferiores’ (que não seriam dignos da exposição), ele trazia temáticas também desafiadoras, como por exemplo a retratada em ‘O enterro em Ornans’ (1849).
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Donzelas na margem do Sena, Courbet
Ao que hoje sabemos ser o final da vanguarda Realista e início do que virá a ser chamado de movimento Impressionista temos ainda como destaque uma obra de Édouard Manet, figura pivotante na transição entre movimentos, o Dejeuner sur L’herbe (ou Almoço na relva) de 1863.
Na obra percebemos que o artista não apenas possui a técnica, mas também o conhecimento teórico academicista que ainda regia os padrões de produção artística na Europa naquele momento. Ao conceber este quadro Manet une os formatos de pintura pré-definidos como paisagem, retrato, natureza morta, nu feminino. Com essa obra ele afirma que a realidade é uma mistura de contextos e não há a necessidade de encaixá-la em determinada classificação, aqui o tema da pintura passa a ser a própria pintura, este quadro foi responsável por uma cisão na história da arte.

Rejeitado pelo júri do Salão de 1863, Manet exibiu Le déjeuner sur L’herbe sob o título Le Bain no Salon des Refusés (ou Salão dos Recusados, iniciado no mesmo ano por Napoleão III), onde se tornou a atração principal. É interessante aqui se atentar para alguns pontos específicos: em Le déjeuner sur l’herbe, Manet traz uma referência clara em seu tema à Concert champêtre – uma pintura de Ticiano – e na composição do grupo central da obra é possível traçar uma linha que nos leva à gravura de Marcantonio Raimondi do Julgamento de Paris, referências clássicas que Manet contrabalanceia com maestria pela ousadia que complementa a composição. A presença de uma mulher nua entre homens vestidos torna a cena estranha,quase irreal e obscena aos olhos do público daquela época.
O estilo e o tratamento de Manet eram considerados chocantes como o próprio assunto. Ele não fez nenhuma transição entre os elementos claros e escuros, provocando uma desarmonia cromática, abandonando as gradações sutis usuais em favor de contrastes brutais, atraindo, assim, reprovações. Os recortes não convencionais e a forma como que os personagens parecem se encaixar desconfortavelmente no plano de fundo das madeiras, do qual Manet deliberadamente excluiu profundidade e perspectiva, revelam a recusa de Manet em conformar-se à convenção e o início de uma liberdade em relação aos sujeitos tradicionais e modos de representação que marcam o início da vanguarda Impressionista.
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